sexta-feira, 11 de setembro de 2009

TV – Meus anos incríveis


Texto: Rafael Senra

Esse ensaio nasceu logo que assisti aos primeiros capítulos da clássica série Anos Incríveis. Igualmente incrível é o fato de que independente da época e do lugar que nascemos, algumas coisas nunca mudam.


Não me perguntem como, talvez ilegalmente, mas consegui arrumar todas as temporadas do seriado Anos Incríveis. Hoje de manhã, planejei assistir ao primeiro capítulo, mas não pude conter a ânsia de assistir aos outros dois seguintes. E fiquei meio pasmo, além de deslumbrado.

Percebi que minhas experiências juvenis guardam algumas semelhanças com as vividas por Kevin Arnold. Cresci em uma época onde a inocência durava algum tempo – talvez menos que se tivesse nascido vinte anos antes, talvez mais que hoje em dia.

No primeiro capítulo, quando Kevin tem o primeiro dia na escola e quando morre Brian Cooper, irmão de Winnie Cooper (o nome dessa personagem me fez lembrar no ato dos episódios que assisti quando mais novo), lembrei-me vagamente de quando meu avô morreu. Lembrei dos primeiros dias na escola Engenheiro Oscar Weinscheinck (será que já esqueci como escreve o nome da escola?). A escola de Kevin chamava-se Robert Kennedy, e foi legal perceber na série esse tragicômico hábito do mundo ocidental, essa tendência megalomaníaca das autoridades de se imortalizar ao batizar cidades, ruas, escolas, praças e instituições com seus nomes.

Ao ver o primeiro beijo de Kevin e Winnie, lembrei-me do meu primeiro. Eu tinha doze anos, e diferente do que penso hoje, na época achei que a experiência já vinha tarde. Fiquei com uma menina de dezesseis anos, quatro a mais que eu, e isso foi motivo de muito orgulho pra mim. Desfilei com ela na rua como se fosse um herói nacional.

Mas anos antes, eu fui apaixonado por uma menina da minha sala, quando estudei da primeira a quinta série. Não vou citar nomes, assim como não falei da menina do primeiro beijo, pelo fato de que essas pessoas ainda convivem relativamente próximas de mim (é por coisas assim que não se vêem, com freqüência, escritores memorialistas jovens).


Essa minha primeira paixão me lembrou Winnie Cooper: o rosto meigo, o cabelo liso comprido de franjinhas retas. A diferença, nada sutil, entre minha história e a do seriado, é que minha musa da infância nunca me deu bola, apesar de eu ter tentado inúmeras vezes angariar sua atenção. Não por frieza da parte dela: na verdade, eu não prezava por nenhum tipo de tato e bons modos que provavelmente teriam sido mais eficientes. Porém, como creio que não devem existir mulheres que não se sintam lisonjeadas com gracejos e cantadas, - ainda que de médio ou péssimo gosto - acredito que minhas desventuras foram certamente responsáveis por dar um certo brilho quixotesco e simpático às nossas infâncias, minha e dela.

Quando Kevin vê uma revista pornô pela primeira vez, lembrei-me das revistas da infância do meu pai, que achei no porão da casa. Eram edições da Playboy da década de 70, se não me engano, e recentemente vi na internet que algumas delas eram as primeiras. Quando fui estudar no colégio interno, as emprestei pra vários amigos, o que significou que eu nunca mais as veria. Mas me lembro de detalhes que, mesmo que incômodos, me vêm a mente de forma agradável: o cheiro de mofo, as páginas rasgadas, a cafonice algo ingênua das fotos, cujas atrizes já na época estavam velhas, e algumas até já tinham falecido (a esse respeito, lembro-me de um ensaio de Dina Sfat).

O terceiro capítulo de Anos Incríveis, quando Kevin visita o trabalho de seu pai, me recordou as visitas que eu e várias crianças de Congonhas fizemos a CSN. São lembranças que me encantaram tremendamente, apesar de mesmo atualmente eu não fazer idéia de como – nem pra que - funciona aquele gigantesco maquinário da empresa. Mas a par de minha pouca afeição pelo ambiente empresarial, havia um ali um charme da tecnologia que se afirmava em meio a poeira e as montanhas. Minas Gerais pra mim tem um certo gosto mineral, algo realmente que associo com a idéia das minas, muito por ter crescido em uma cidade mineira do interior cercada por três mineradoras. Penso nisso quando lembro do lugar que meu pai nasceu, um vilarejo chamado Casa de Pedra; e sinto algo parecido com isso quando escuto a música Itamarandiba, de Milton Nascimento, que canta sobre Diamantina, sobre uma“estrada de pedra corrida/ pedra miúda rolando” e uma terra onde os homens que “serão felizes como se fossem meninos”.

Acho que minha infância nessa cidade brasileira de pedra e mato pela década de 80 não parece tão distante da infância do imaginário protagonista de Anos Incríveis passara em um subúrbio americano dos revolucionários anos 60. Quando o narrador, que é o Kevin mais velho (com sua fala belamente poética), fala que viver num subúrbio americano naquela época significava estar distante tanto da metrópole sofisticada quanto da bucólica área rural, eu enquanto espectador já me senti capturado. É exatamente assim que me sinto por ter nascido em Congonhas. Apesar de ser uma cidade próxima da capital BH, eu sempre me sentia, como na canção de Humberto Gessinger, “Longe Demais das Capitais”. Imaginava e romantizava a vida na metrópole, apesar de sentir em meu íntimo (na época, e ainda hoje) que não daria conta de morar lá. E paradoxalmente, eu sabia que não morava em um lugar bucólico; não tinha contato com tantas tradições daquelas que se imaginam existir em uma cidade histórica do interior.


Mas guardo comigo recordações que me fazem sentir que tive uma excelente infância, com uma família maravilhosa e ótimos amigos. Seja nos arroubos da infância na época do Weinschenck; dos roubos de jabuticabas nos anos de colégio interno; das matações de aula na linha de trem comendo miliopã e tomando cerveja na época do segundo grau; do primeiro namoro desastrado; da entrada na universidade. Não consigo, e nem quero, olhar tudo isso sem determinado grau de romantismo, desses que dão graça as agruras da vida. Por fim, cito a letra do foragido Belchior, que diz que “sua dor é perceber que, apesar de tudo que fizemos, ainda somos os mesmos, e vivemos como nossos pais”.

3 comentários:

Daniel disse...

E aí Rafa, blz? aqui é o "Mingau"... tb sou fãnzaço de "Anos Incríveis" e tb tenho todos espisódios em dvd... realmente é uma nostalgia danada... tenho até uma foto minha com 8 anos em que me acho parecido com o Kevin rs... gostei do texto... tinha perdido o endereço do blog... vê se dá notícias (vem em BH não?)abraço à todos!

Natalina disse...

alias vc deveria visitar meu blog, afinal de contas, vc estah nele hehehe

http://borntobeuai.blogspot.com/

Guilherme Claudino disse...

São tantas histórias dentro de tantas histórias...A gente vai seguindo a travessia e se encontrando pelas esquinas..

Você se identificou com os anos incríveis e eu incrivelmente me identifiquei com seu texto..

Ah, e sim, você, naquele dia, foi um herói nacional...

Está de parabéns pelo blog..

abraços