sexta-feira, 8 de agosto de 2008

A "Obra Aberta" e a Trilogia das Cores




Semana passada, assisti aos três últimos filmes do diretor polonês
Krzystof Kielowsky, a tão falada Trilogia das Cores, baseada nas cores
da bandeira da frança, e no lema da revolução francesa, "A Liberdade é
Azul" (Bleu), "A Igualdade é Branca" (Blanc) e "A Fraternidade é
Vermelha" (Rouge). Um amigo já tinha me dito que são todos excelentes,
eu só não imaginava que fossem tanto.

Todos são pura poesia visual, e correspondem a idéia da "obra aberta"
do intelectual Umberto Eco, característica que ele atribui à arte
contemporânea. Sabe aquele clichê do sujeito que não entende nada de
arte (pelo menos da mesma forma que entendem os ditos "sabedores" dos
conceitos pré-estabelecidos sobre arte), e que emite um bocejo de
desdém sempre que se depara com aqueles quadros aparentemente
desleixados, repletos de manchas e borrões, que um sujeito de cabelo
engomado, terno listrado e óculos de aro grosso disse que é "arte"?
Pois possivelmente esse sujeito se deparou com um típico exemplar da
obra aberta.

Nesse tipo de obra, não há uma voz em off de um ser onisciente que lhe
explica e traduz o que ela quer dizer. Não existe uma tecla SAP de
significado. A obra é propositalmente incompleta, ou melhor dizendo,
ela abre uma margem de interatividade, na medida em que seu vazio
funciona como um convite para múltiplas interpretações de quem observa.
O espectador participa com sua leitura da obra, e esta não precisa (nem
deve ser) determinada e determinante, mas todas se tornam válidas.

No cinema, um diretor que explora isso magistralmente é o americano
David Lynch (que por sinal, está no Brasil, e deu palestra recentemente
em Sampa). Seus filmes permitem várias interpretações, e nenhuma é
descartada. Quando assistimos seus filmes, por um instante acreditamos
que não estamos entendendo nada, mas se por acaso Lynch estivesse ali
do nosso lado no momento da apreciação, certamente ele sussurraria em
nossos ouvidos, "sim, meu caro... É isso mesmo que você pensou! Não
importa o que foi, e nem quão absurdo, mas você está certo!" No fim das
contas, ninguém está errado. A obra, nesse caso, não percorreu toda a
"estrada da perdição", ela foi apenas a linha de largada. Aquele
indivíduo que pensamos como sendo o "autor" da obra, apenas deu o
start, mas o resto, a batata quente, é conosco.

Tenho amigos que detestam esse tipo de cinema, porque eles assistem
filmes para se anestesiar, sem querer pensar sobre o que veem. Eles não
querem mastigar as informações, querem papinha de neném, já prontinha e
fofinha, para engolirem e digerirem automaticamente. O diretor se torna
então uma mamãezona, dona da verdade, com o poder de inserir qualquer
conteúdo na sua obra, e seus filhinhos não vão (nem querem) reclamar. É
uma questão de opção, ainda que os últimos lançamentos do universo
blockbuster americano que dominam as locadoras pareçam servir mais ao
interesse economico do que a impulsos de criatividade e inovação.

Na trilogia das cores, Kielowsky não subestima a inteligência dos
espectadores em momento algum. Ele não pede, entretanto, uma
perspicácia tão grande quanto um Lynch ou um Luís Buñuel, ainda que sua
obra seja bastante aberta. Seja pela bela trilha sonora, bela
fotografia, pelos temas intensos, ou pela graciosidade de suas
protagonistas, o filme tem um apelo estético capaz de seduzir em larga
escala. Não é a toa que estes 3 filmes fizeram tanto sucesso.

Ali percebe-se uma profundidade passível de interpretações múltiplas,
como camadas sobre camadas de leituras da obra. Mas o superficial
também é agradável, e desta forma os espectadores menos exigentes podem
sair da apreciação tão satisfeitos quanto os mais cinéfilos. Uma
característica presente em obras-primas de qualquer gênero.

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