quinta-feira, 17 de julho de 2008

A arte e suas Loucuras



Outro dia, li uma entrevista com o vocalista do Coldplay, Chris Martin, onde ele dizia sobre sua inspiração. Basicamente, ele contou que ainda se encontra em um período da vida em que, caso sejs acometido por uma boa idéia, não importa se estiver ocupado com algo, ou dormindo... Em vez de ignorar, ele para tudo que estiver fazendo, para registrar e burilar esse bem-vindo lampejo repentino.

Desde que as circunstâncias permitam, isso é realmente algo admirável. Mas se estivermos, por exemplo, segurando uma escada para alguém, então com certeza é mais sensato se permitir esquecer uma intuição momentânea da fórmula matemática mais esplendida e segurar a escada, do que sacrificar a saúde e o bem estar do fulano só para anotar um axioma qualquer.

Talvez por causa de atitudes repentinas dessa natureza, as pessoas pensem nos artistas como seres exóticos e estranhos. Se são fiéis a musa inspiradora que habita dentro deles, tomarão atitudes absurdas a fim de agradá-la, pois conhecem seu caráter tanto sedutor quanto temperamental. Sabem que não escolhe hora para agraciar seus amados, e por vezes desfere seu canto imprevisível em momentos constrangedores. O pobre artista, fiel e sensível, se curva à sua voz, pois só se importa em conceber sua obra prima como se dá a luz a um tão esperado rebento, seu filho mais bonito.

Não necessariamente artistas vivem somente no mundo da arte. Muitos ouvidos que trabalham com outras áreas do conhecimento humano já cederam aos apelos da musa, e transformaram suas atividades, outrora mecânicas e tediosas, em obras primas. Cientistas-artistas como Albert Einstein, que valorizavam o lampejo intuitivo, para só depois racionaliza-lo, e por fim se entregar a essa aparente loucura. Ele sabia que tinha potencial para ser um cientista brilhante, suas notas e prêmios eram boas provas disso. Ainda assim, ele se permitiu ser louco por alguns momentos, como se fizesse um experimento empírico com essa voz interna. “Que raio de voz é essa, que me afasta dos meus estudos?”, ele provavelmente pensou. “E essas idéias sobre relatividade, que não me deixam estudar? ? Ta, fale mais, voz misteriosa... Vamos ver no que isso vai dar!”

Pessoas competentes não são necessariamente loucas. É possível fazer arte comportada, e é possível que ela emocione e cumpra seu papel. Mas as pessoas, por mais leigas que sejam em manuais de critica de arte e cultura, vão sentir que falta algo. Aquele algo meio de molecagem, de quem não se leva tão a sério, e encara seu ofício meio na brincadeira. Bom exemplo são aqueles quatro cabeludos de Liverpool, alguém se lembra deles? Claro, todos se lembram! Eram um bando de molecões, brincando de fazer música. E poucos fizeram melhor!

O que talvez impeça esse processo de acontecer por toda a vida dos sujeitos é a inflação do ego. Quanto mais a pessoa se leva a sério, se ache digna de uma importância maior que as outras pessoas ao se deslumbrar com os louros do sucesso, mais ela cria uma barreira entre a musa, deveras ciumenta, e a própria pessoa. Jesus fala de algo assim quando diz que é mais fácil um camelo passar num buraco de agulha, que o rico entrar no reino dos céus. Traduzindo para o nosso contexto, o rico não só da matéria, mas que arrasta consigo o pesado fardo do orgulho, da pretensão e da arrogância, dificilmente terá acesso ao éden da inspiração onde habita a musa. Pois Deus é criação, e a força criadora pode ser uma das manifestações em que o percebemos, bem mais plausível que a imagem do velhinho de barbas brancas.


16/06/2008 – 17/07/2008

Nenhum comentário: