quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Ensaio – Resposta ao Tempo

Texto e desenho: Rafael Senra
rararafaels@yahoo.com.br

Qual a importância do tempo para a criação artística? Será que, assim como acontece com as frutas, a fruição estética precisa de tempo para madurar? Quais obras recentes, no universo da música pop, foram frutos de elaboração paciente e um lento processo de espera e reflexão sobre o que estava sendo feito?

A partir do exemplo recente de uma banda que perdeu seu líder, sigo com a análise de grandes discos do pop e do rock contemporâneos, para pensar sobre o tema do tempo influenciando a arte.

O mundo do rock e do heavy progressivo se surpreendeu meses atrás, quando o Dream Theater, principal banda do gênero, perdeu seu baterista Mike Portnoy. O fato me inspirou a escrever esse texto. Não sou um fã de carteirinha dos caras, mas confesso que também fui pego de surpresa com a declaração de Portnoy. Além de ser um dos fundadores do Dream, ele desempenhava o papel de líder intelectual do grupo, organizando grande parte das atividades extra-musicais que eram exigidas - como mapa de palco, releases, entrevistas, etc.

Ele alegou que queria um tempo de descanso, uma pausa, para depois retomar as atividades da banda. Já os outros integrantes, em ritmo de locomotiva, quiseram voltar para o estúdio, compor o disco novo, e emendar uma turnê. Ao que tudo indica, parece que esse ritmo de trem vai ficar sem um maquinista competente para guiar a direção, pelo menos até a tripulação se virar para assumir a lacuna.

Reitero que não sou um fã do Dream Theater, mas acompanhei seus últimos lançamentos timidamente, ouvindo uma música ou outra. As músicas me pareceram pouco inspiradas, opinião aparentemente compartilhada com os fãs do grupo com quem conversei. Ao ter sentido que a criatividade passava por uma curva descendente por quase uma década, talvez Portnoy não tenha sugerido uma pausa a toa.

Partindo desse exemplo, compilei uma série de discos feitos após um hiato de tempo – e que, talvez por causa disso, apresentaram um resultado superior aos trabalhos anteriores desses artistas citados.
 
Rush – Vapor Trails (2002): Forçados a dar uma pausa em 1997, devido a tragédias pessoas do baterista Neil Peart (as mortes sucessivas de sua filha e sua esposa), o Rush retornou a todo vapor em 2002, com um excelente disco de inéditas. Ok, Vapor Trails não é um dos melhores discos da banda (eu mesmo não acho que seja tão bom que o anterior, Test For Echo, de 1996), mas creio que o Rush não conseguiu lançar nada melhor depois disso.

Marillion – Marbles (2004): Em 1999, a situação do Marillion era crítica. Dois anos antes, a banda quase acabara, e os caras pulavam de gravadora em gravadora, sem conseguir repetir o sucesso que tiveram nos anos 80. No fim dos anos 90, contudo, encontraram uma solução que mais parecia um renascimento: passaram a gravar discos com financiamento dos fãs, em um sistema de pré-venda. A iniciativa de alto risco se revelou mais rentável que o previsto, e gozando de independência artística após o lançamento de Anoraknophobia (2001), se dedicaram 3 anos a fazer aquele que seria o melhor disco da nova fase – para alguns, o melhor da carreira deles: o album duplo Marbles. Ali está a nata do som característico do quinteto, em suas facetas pop, progressiva e experimental.

Crowded House - Time on Earth (2007): Durante mais de dez anos, essa excelente banda australiana, autora de um dos maiores hits da década de 80 (a balada Don't Dream It's Over), parecia ter acabado para nunca mais voltar. Eles se separaram em 1996, aparentemente devido ao suicídio de Paul Hester, baterista original do grupo. Mas eis que os caras resolveram retornar, e ainda por cima com um belíssimo disco de inéditas (o melhor da carreira deles, em minha opinião). Time on Earth não fez o sucesso que merecia, mas seu trunfo está no disco como um todo: mesmo sem megahits em potencial, soa inspirado da primeira à última faixa.

  The Verve – Forth (2008): depois de um hiato de quase uma década, a banda de Richard Ashcroft resolveu se reunir; em suas próprias palavras, "pelo prazer da música". Diferentemente de outras bandas que retornam para caçar uns trocados tocando antigos hits de carreira (as vezes lançando um single novo, no máximo), eles lançaram um disco inteiro de inéditas. Ao que parece, a atitude não era só para constar: Forth é, na minha opinião, seu trabalho mais coeso e maduro. Soa vigoroso da primeira à última faixa, apesar de sua longa duração. Infelizmente, o guitarrista Nick McCabe anunciou o fim definitivo das atividades do Verve 10 meses após o lançamento do derradeiro disco.
 
Belle and Sebastian – Write About Love (2010): Depois de seis anos sem lançar um disco de inéditas, e amargar a perda de dois de seus principais integrantes (a instrumentista e vocalista Isobel Campbell e o baixista Stuart David), os escoceses do Belle & Sebastian lançam este álbum, com canções bem acima da média do que vinham fazendo ao longo dos anos 2000. Sua porção folk, pop, rock, aliado a sonoridade retrô que virou marca registrada do grupo mostra-se em plena forma em seu trabalho mais recente.

Dorival Caymmi – Toda a discografia: Quando penso em um artista que usa a passagem do tempo a seu favor, o emblemático e incensado compositor baiano sempre me vêm a mente. Existem várias lendas no universo da MPB sobre canções de Dorival que levaram décadas para serem concluídas - por vezes, apenas uma frase estava pendente para que o autor as considerassem finalizadas. Parece certo que essa vagarosidade do processo não se deve à famosa "lentidão" atribuída aos baianos, como podemos perceber em uma declaração de Caetano Veloso:

"Eu escrevi 400 canções e Dorival Caymmi 70. Mas ele tem 70 canções perfeitas e eu não".

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