quinta-feira, 9 de abril de 2009

Ensaio - Exílio Mineiro



Texto: Rafael Senra

Esse ensaio, escrito em 10/03 de 2009, é fruto da sintonia entre as minhas angústias em trânsito, - a saber, minha vida entre duas cidades histórias, São João Del Rei e Congonhas - e a leitura de textos sobre a condição do estrangeiro na pós-modernidade, especialmente do teórico polaco Zygmunt Bauman.



Desde 2003, tenho São João Del Rei como minha morada fixa. Na época em que me mudei, quando passei no vestibular de letras, ia para Congonhas todo fim de semana matar a saudade da família e dos amigos. Lembro-me de que parecia uma tarefa homérica adaptar à um lugar que eu considerava bem diferente da minha cidade natal.

Enquanto Congonhas parece brotar dentro de um buraco, composta quase que totalmente por morros e colinas, São João Del Rei é uma cidade plana, pouco acidentada, e como que se o relevo fosse uma metáfora de sua alma, é um lugar sossegado e equilibrado. “O povo daqui é mais contido e gentil, porém nem tanto receptivo quanto os congonhenses”; talvez tenha sido esta a primeira impressão que tive. Outra diferença é o clima extremo de São João (muito calor num momento, muito frio no outro) e baixa umidade do ar, diferente do clima temperado de Congonhas.

Aos poucos, fui permanecendo mais tempo nessa nova morada, me acostumando com as peculiaridades de São João Del Rei, adaptando meu foco, começando a entender os elementos que outrora me provocaram tanto estranhamento. Uma experiência crucial aconteceu quando levei meu amigo Japa à Congonhas. Ele não ficou tão surpreso com os (infelizmente poucos) exemplares de arquitetura barroca de minha cidade natal como ficou em relação às pessoas. Recordo do quanto ele gostou da espontaneidade dos habitantes, apesar de achar vários deles meio diferenciados demais. Além disso, ele me apontou várias sutilezas que eu nunca havia percebido, detalhes com os quais convivi toda a vida sem me dar conta.

Enfim, hoje em dia, ainda mais depois de ter ido à cidade do Japa (Bragança Paulista), eu consigo entendê-lo melhor. E olho para Congonhas com um olhar semelhante a de um exilado, que perde parte do elo que outrora ligava-o à sua terra, e passa a se situar em um não-lugar, uma zona fronteiriça, um lugar virtual qualquer situado no terreno imaterial da infinitude.

Em Congonhas hoje em dia, percebo as ruas sem vida, e noto uma falta de cuidado geral. No patrimônio isso é algo meio óbvio, principalmente em evidências vergonhosas, como a interdição da Igreja da Matriz ou os buracos na ladeira histórica. Mas esse desleixo se estende às pessoas. A cada visita que faço na cidade, vejo os traços do tempo muito presentes em várias figuras do meu passado, de forma muito exagerada. Vários conhecidos acima do peso habitual, alguns mal vestidos, as meninas outrora voluptuosas que tanto me encantaram na juventude agora amargando formas roliças e petrificadas. O excesso de drogas também é outro dos vícios que está destruindo o lugar, disseminado tão radicalmente que chega a parecer algo banal.

Vivendo em São João, vou a cada dia sentindo menos a condição de “estrangeiro”, e da identidade fragmentada “líquido-moderna”, como diz Zygmunt Bauman, algo pertinente na globalização pós-moderna, onde as pessoas são forçadas a abandonar suas “aldeias” de toda a vida, e partir para um lugar diferente. Sei que Congonhas ainda vive dentro de mim, mas percebo a cidade real se distanciando cada vez mais da cidade mítica que vive em meu interior. Principalmente a arte do lugar, escapando como água desperdiçada pelos esgotos afora, deixando em seu lugar o lixo, o desleixo, o vazio, o éter. A nostalgia torna-se mais que uma opção; é talvez um refúgio mais seguro, mais sensato. Melhor que compactuar com o individualismo e as lástimas que tanto afligem meu berço natal, a cidade dos profetas.

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