quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Cinema - Crimes e Pecados




Texto: Rafael Senra


Porque Woody Allen é um diretor cultuado? Seus filmes são "dramas-pastelão" ou são comédias pretensiosas? Quais as semelhanças entre Crimes e Pecados e Match Point? São algumas das questões que o texto em questão pretende abordar.
 
Acabei de assistir ao filme Crimes e Pecados de Woody Allen (1992), que me parece quase próximo da linha de filmes “sérios” do diretor, como Interiores ou Sonho de Cassandra. Vale aqui uma menção a Match Point, que é muito semelhante a Crimes..., mas por vários motivos que pretendo elencar nesse texto, o sucesso de Scarlet Johansenn perde de lavada para seu antecessor de 1992.

Antes, é bom entender essas guinadas de estilo que de vez em quando acometem Allen. São provavelmente fruto da adoração que ele tem com a obra do sueco Ingmar Bergman, conhecido por produções densas e perturbadoras como Persona, ou Gritos e Sussurros. Prova de que Crimes e Pecados evoca Bergman está na escolha do mesmo diretor de fotografia de ambos, Sven Nykvist.

Porém, o filme não é de todo sério. Ele se divide em duas narrativas distintas, uma densa e séria, outra mais leve e complexa (o que remete a outro filme de Woody dividido na dualidade sério/engraçado: Melinda & Melinda, muito bom). Crimes e Pecados aprofunda alguns pontos mais obscuros da própria obra do diretor, como moralidade, ética, fé, e o sentido da vida.

Que suas produções contrariam a lógica amena e moralizante de Hollywood, isso não é de hoje. Aliás, é por esse senso mordaz e pela independência que ele se tornou aquele que seria talvez o maior diretor-autor americano vivo. Em Crimes, ele parece ter conseguido avançar em algumas temáticas, revelando alguns de seus ocultos pressupostos pessoais e juízos de valor. Como se a ficção ali presente funcionasse tal qual um making off de alguns de seus pensamentos sobre a vida.

Arquetipicamente, várias faces, ou personas, de Woody dão as caras na obra. O comediante Lester, por exemplo, pode significar seu lado tanto pretencioso quanto humorístico; Judah, é o cidadão judeu que a sociedade vislumbra, mas que oculta segredos sinistros (na vida real de Allen, estes segredos vieram a tona na mesma época do lançamento de Crimes e Pecados, quando ele larga sua então esposa Mia Farrow, para ficar com sua enteada vietnamita Soon-yi), além de suas crenças filosoficas pessoais (representadas pelo Prof. Levy).

Metaforicamente, podemos fazer uma leitura do filme sob o filtro da falta de referenciais em nosso tempo. A perda de um eixo religioso (representado no filme tanto pelo rabino quanto pelo pai de Judah), fez o homem apoiar na ciência, no materialismo e no pragmatismo como saídas para o impasse; (representado por Judah, um homem da ‘ciência’, por assim dizer, prestigiado na sociedade, mas que não tem o menor escrúpulo de atropelar qualquer tipo de ética) o buraco, entretanto, era mais fundo. Viver arrastando o diagnóstico desta situação pode ser menos que uma solução, e sim um fardo muito pesado (representado pelo suicídio do Prof. Levy).

A intenção de Allen no filme é muito mais sincera que metade das crias hollywoodianas atuais, repletas de cartilhas de como pensar e como agir. De uma forma muito instigante e contundente, o diretor se propõe a traçar uma série de impasses típicos de nosso tempo, e de nossa sociedade ocidental, no que isto tem de bom e ruim. Sem propor soluções parciais ou fáceis demais, ele tem como único fio de esperança jogar a peteca para nossos descendentes. Certamente não aprenderão com nossos erros, mas ainda assim é o que temos para acreditar.

Nenhum comentário: