quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Morrendo na Praia



Vou contar pra vocês uma pequena história sobre humildade e oportunidades num país terceiro mundista, que no caso é o nosso Brasil, e o protagonista deste pequeno ensejo que contarei é o próprio autor da narrativa, ou seja, eu mesmo.



Um dia qualquer em meados de agosto. Estava passeando por algumas comunidades do orkut sem nenhuma pretensão maior do que passar meu tempo. De repente, esbarrei num tópico que falava de um concurso de histórias em quadrinhos promovido pela Fnac.

As condições do concurso eram muito sedutoras. Devia-se enviar uma página de quadrinhos (algo possível de fazer devido ao meu escasso tempo) por email para o site do concurso (link aqui) e preencher um cadastro. Tudo gratuito para inscrever, porém para os finalistas, rola um prêmio entre cinco mil e dois mil reais. Pensei “ora, bolas, porque não participar”?

Fiz uma página então sobre o tema “infinita diversidade em infinitas combinações”. Demorei para fazer a página, pois pintei-a digitalmente, e fiquei modificando a história várias e várias vezes, tanto o roteiro quanto os desenhos. Vários amigos meus que leram deram pitaco, opiniões muito boas. Algumas acatei, outras não. Depois de tanto mexer na página, me contentei com uma versão final, e a enviei pra lá no fim de agosto, cerca de dois dias antes do fim do prazo de envio, 30 de agosto. (obs. O link da história está no fim do texto).

Eu estava bem autoconfiante quando fiz minha versão satisfatoriamente final. Achei que tinha feito um bom trabalho, aliás, excelente diga-se, pelo meu olhar egocêntrico. Na minha nada humilde opinião, eu tinha explorado o tema de uma forma perspicaz, e gostei do texto e dos desenhos. Mas fui me esquecendo do concurso, na medida em que os pepinos habituais no meu cotidiano foram dando o ar da graça.

Eis que, de súbito, abro o email dias depois, e vejo uma mensagem dos organizadores do concurso. A página carrega, e então leio: blábláblá, agradecemos sua participação, infelizmente não selecionamos você pra próxima etapa, blábláblá, abraços!

“Merda”, foi meu primeiro óbvio pensamento.

“Minha história tinha ficado tão legal! O texto, os desenhos, tiveram tanto a ver com o tema... Caramba!” Bem, a vida continua, mas antes fui no site da Fnac para ver os classificados. Abri o site, cliquei no tópico “votação”, e então abriram miniaturas das vinte páginas. Deve-se clicar em cima de cada uma para vê-las em zoom, e ao lado tem um outro link para votar naquelas que mais gostássemos.

Abri uma página, e... era muito boa, bem feita, ótimo texto, desenhos, tudo. Foi um golpe duro na minha arrogância de artista genial (ou genioso). Abri outra, e mesma coisa. Outra, idem, e mais outra, outra também. Por fim, depois que li às vinte páginas finalistas, cheguei a conclusão de que se eu fosse jurado desse concurso, também não teria escolhido a minha história.

Isso tudo que contei, foi pelas duas conclusões que tirei do episódio todo. A primeira é que tenho que praticar mais. A segunda, tem a ver com essas frases que as vezes se ouve por aí, coisas geralmente do senso comum, que soltam impropérios tipo “ah, de uns tempos pra cá, não se ouve nenhuma banda boa como antigamente, não se vê mais nenhum filme tão bom quanto os de antigamente... Bons tempos aqueles!

Ora, será que surgiu nas últimas décadas algum vírus misterioso que contaminou e erradicou todos os “artistas” ao redor do globo? Ou o buraco é mais embaixo, e estes artistas-idealistas estão nadando tanto só pra morrer na praia?

Ao ver as páginas do concurso, fiquei embasbacado com o nível dos artistas que mandaram seus trabalhos. Se morassem na europa, certamente seriam mundialmente conhecidos entre fãs e simpatizantes dos quadrinhos, mas por viverem aqui, muitos deles certamente nunca publicaram nada. Ou seja, o problema não é de falta de talentos.

O problema é de falta de oportunidades. Todos estes sujeitos talentosos não tem veículos interessados em suas obras de arte (apesar de ter pessoas que querem comprar, ou se não tem $$ pra comprar, pelo menos tem interesse em ler). Consequentemente, se quiserem mesmo trabalhar com quadrinhos, estes sujeitos vão ter que ir pra fora do país. Ou talvez eles simplesmente desistam disso tudo, para trabalhar com outra coisa qualquer que possibilite pagar as contas e uma cervejinha safada no fim do mês, necessária para compensar o recalque do potencial.

Como diz o Engenheiro do Hawaii, “Nessa terra de gigantes... Que trocam vidas por diamantes...” Nossos gigantes militantes da arte estão tendo suas vidas, ou carreiras, trocadas pelos diamantes que os pseudo-artistas do pagode e axé rendem para seus patrões, dublês de gente talentosa que engordam as carteiras do empresariado chupinha.

Apesar de tudo, prossigo otimista. A alguns anos atrás, por exemplo, nem internet tínhamos. Agora, com os meios digitais, é possível editar por conta própria trabalhos com qualidade refinada. Falta repensar é o mercado como o conhecemos, mas do jeito que anda esse negócio de downloads, creio que o melhor seja esperar passar esse tsunami de polêmicas sobre direito autoral, gravadoras e editoras, a classe artística, e o público sedento de cultura.

Da minha parte, espero estar fazendo melhores quadrinhos quando as coisas melhorarem.


Para ler a história que mandei pra FNAC, clique aqui

2 comentários:

Gabi disse...

Olá, Rafael!
Muito válido seu desabafo. De fato, é difícil ver arte ter algum destaque aqui no Brasil. Num país em que livros e instrumentos musicais não são isentos de impostos (poxa, nem mesmo um incentivozinho fiscal mixo!), em que poucos têm condição para comprar um CD ou DVD, em que quem cursa faculdade de cinema ou belas artes é "doido" ou "à toa"... A cabecinha dura de quem poderia mudar tudo isso ajuda também...

Parabéns pelo blog, está cada vez mais legal, tanto no conteúdo, quanto no visual...

P.S.: Obrigada pelo comentário lá no meu blog.
Você se referia ao Espaço Lafayette, né? Ambiente bacaninha. Quase não tenho visto a Lu - o que é imperdoável, eu sei. mas a vida é mesmo muito doida e o tempo vai passando rapidinho, né?!
Semana passada estive em SJDR, fui assistir à estreia da peça da Elisa - que é muito boa, por sinal.

Abração!

Rafael Senra disse...

Valeu Gabi! Pois é, esse país nosso poderia ter essa abertura para uma cultura mais rica. Nas décadas de 60 e 70, mal tínhamos mecanismos de mídia decentes, mas as políticas de apoio para a cultura visavam algo de mais qualidade (exceto cinema, que sempre dependeu de MUITA grana, e que está se desenvolvendo mesmo só de uns tempos pra cá!)
Abração!