domingo, 31 de agosto de 2008

Considerações sobre a Feiúra

Li na revista Superinteressante de abril de 2008, uma entrevista com o argentino Gonzalo Otálora. Ele escreveu um livro chamado Feo! (feio), onde divaga sobre a problemática da estética à partir de sua própria história de vida. Diz que sofreu várias discriminações na juventude, que perdeu oportunidades na vida por ser feio, e pelas fotos da matéria, percebe-se que o sujeito em questão é mesmo um tanto quanto pelejado!

Ao ler a matéria, me lembrei de um livro que li faz um tempo, chamado Woody, uma biografia do cineasta americano Woody Allen, escrito por um jornalista amigo dele. O jovem Allan Stewart Konigsberg (nome verdadeiro de Woody) também teve problemas parecidos em sua juventude, pois sempre foi um franzino de aparência nerd, com suas roupas fora de combinação e óculos fundo-de-garrafa.

Porém, em uma determinada época, Allan/Woody deu a volta por cima de uma maneira inusitada: Em vez de tentar se adaptar aos moldes estéticos da época, ele reforçou mais ainda suas peculiaridades. É nesta época que ele começa a usar pares de óculos de lentes grossas, sua marca registrada até hoje (e que recentemente voltou a ser moda). Também deixou crescer mais o cabelo, comprou sapatos de bico quadrado, blaser, e outras indumentárias pouco apreciadas pela juventude de sua época.

Quando eu li isso no livro, pensei "pôxa, o cara queria mesmo arruinar as chances dele com as garotas, ou ser rejeitado em todas as entrevistas de emprego..." que nada! Já como Woody, o cara virou um sedutor de mão cheia, ficando conhecido por ter à seu lado divas do porte de Diane Keaton e Mia Farrow, isso pra citar as conhecidas, e sem contar inúmeras beldades nova-iorquinas anônimas. E oscilando entre empregos fixos e números de stand-up em espaços da alta sociedade, fez contato com produtores, caiu no mundo do cinema, e a fama lhe caiu no colo, quase que espontaneamente.

O argentino Otálora também passou por algo parecido. Sentiu-se rejeitado durante quase toda a adolescência, e em determinado momento deu a volta por cima, quando descobriu o charme da feiúra (aparentemente ele existe!). Parece algo bem elementar... Pensemos: Surge uma figura estranha em nosso meio, e naturalmente o sentimento que surge é de estranhamento. Entretanto, com o tempo, nos acostumamos, e aquele ser diferenciado se torna mais um no mundo, para nós. Se este sujeito parece não ligar para o rótulo supostamente árduo que ostenta, então somos nós que duvidamos: Será que o interpretei mal? Meu juízo está correto? Este homem é mesmo estranho, ou está mais para exótico? Singular? Distinto?

Claro que, aliada à esta opção pelo realce de características excêntricas, está uma postura autêntica, que transmite personalidade. Na minha vida, percebi que quando você ostenta algo impondo personalidade, por mais diferente que seja, as pessoas aceitam melhor, ou pelo menos toleram sem questionar muito, desde que haja respeito com o mundo que o cerca. As verdades podem ser muitas, as bandeiras são igualmente vastas. Quem veste sua camisa com convicção se torna um exemplo, e passa a representar um novo caminho, pois concretiza uma nova realidade.

Mais barato que lipoaspirações, plásticas e retoques materiais, é a afirmação de uma característica peculiar enquanto qualidade. Eu acredito que nossa sociedade está se abrindo para a aceitação das diferenças, mas num ritmo ainda bem lento. Aos poucos, percebe-se a inserção das ditas "minorias" na cultura, de uma forma talvez mais presente que há alguns anos: Os negros nas novelas não andam sendo somente os empregados das casas; as mulheres tem seu destaque nos romances, nos filmes e nas músicas; os desfiles gays arrebatam um público cada vez maior. Os tabus, se não estão caindo, talvez estejam dissolvendo aos poucos.

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