domingo, 28 de setembro de 2008

Fantasia Barroca

Esse mês passado, devo ter contabilizado umas dez pessoas que chegaram pra mim falando que não gostam de música mineira. Não entendem porque o Milton Nascimento é tão comentado e incensado, ou porque o Lo Borges e o Toninho Horta fazem sucesso se cantam tão desafinados, e até porque o Beto Guedes é tão amado e odiado (nesse caso, não entendem sobre a parte do “amado”).


Como essas pessoas sabem que daqui a dois anos devo defender uma dissertação de mestrado com o tema do Clube da Esquina, acabei me tornando um depositário de reclames sobre esses artistas, ou pior, um oráculo à quem consultam para esclarecer algo que eles não entendem: Porque eles conseguem gostar de Caetano e Chico, e não conseguem gostar de Milton?


Bem, acho que esse pessoal não curte as músicas do Clube, pelo mesmo motivo que existe a palavra “gosto”: é difícil apreciar de tudo, óbvio. É inevitável que tenhamos nossas preferências. Prefiro falar por mim, e explicitar aqui os motivos que me fizeram apaixonar pelo som dessa mineirada, quando eu tinha mais ou menos uns 15 anos de idade.

Lembro que minha Mãe comprou uma caixa com cinco CDS do Milton, pela revista Seleções (Reader Digest). Cansado que eu estava de ouvir seguidamente meus álbuns progressivos do Genesis e Yes que eu tanto gostava naquela época, me debrucei sobre a nova aquisição da casa. A embalagem era bonita, plastificada, com aquele cheirinho de novo... talvez por isso me animei a dar uma curiosa ouvida, porquê não? Daí pra me apaixonar pelo som, foi um pulo! Não acreditava que alguém tão próximo geograficamente pudesse explorar possibilidades tão ricas de harmonia, melodia, letra, e outros elementos que me agradavam nas bandas gringas!!


Foi uma agradável surpresa, que aos poucos me levou à outros sons: Descobri que o Clube da Esquina não era só o nome de uma bela balada, mas também batizava aquele movimento de artistas tão singulares. E descobri que uma banda que já figurava com destaque no meu microsystem há um tempo, tinha um ilustre integrante desse aglomerado mineiro: Flávio Venturini, quando fez parte do Terço, na década de 70.

Eu e Lo Borges

Mais tarde, eu já estava na casa dos 18 anos, cursando o primeiro ano do 2ºgrau, e triste da vida porque tinha largado a escola e a primeira namorada quase que ao mesmo tempo. Era uma época em que eu estava meio sem chão, mas da qual me lembro docemente, que foi quando estudei em uma escola pública de Congonhas. Recordo-me bem mineiramente de como matava aula na linha de trem, comendo coxinhas de frango de boteco e bebendo cerveja quente em lata, ao lado dos meus também transgressores colegas. E chegando em casa, já de tarde, ouvia sem parar os dois discos de vinil do Beto Guedes que eu tinha, “Amor de Índio” e “Sol de Primavera”.


Um desses que matava aula comigo, melhor dizendo, uma dessas, amiga, virou um caso que quase deu em namoro. Nossa breve mas intensa história tinha como trilha sonora o som do Flávio Venturini. E a surpresa que tive, quando um dia o sujeito em pessoa me aparece em Congonhas para fazer um show com orquestra, dentro da Romaria, bem ao lado da Igreja do Bom Jesus de Matozinhos!! No dia marcado, lá estávamos eu e ela prestigiando aquele espetáculo espetáculo, debaixo de uma chuva daquelas.


Hoje em dia, escuto músicas como essas do Flávio, tipo “Noites de Junho”, que evocam uma certa atmosfera fria, e me recordo de noites como as da Romaria, do clima frio das férias, e dos luais regados a vinho e choconhaque, que duravam até o sol dar as caras novamente no fim do nosso dionisíaco ritual, e prosseguindo dia afora à embalar nossas ressacas. Anos depois, tive o privilégio de conhecer alguns deles pessoalmente, como Toninho Horta, que andava despretensioso pelas ruas de Congonhas, e com quem troquei poucas frases. Lo Borges, quando tocou em São João Del Rei, tirou uma foto comigo. E Wagner Tiso eu conheci num show dele no Clube do Choro, em Brasília. Com este último, conversei de verdade, falamos aqui da região, ele contou histórias, e até me chamou para beber um whisky com ele, convite ao qual tive que declinar pra não perder a carona!


Eu e Wagner Tiso.


Talvez se eu tivesse nascido em outro lugar, e não tivesse vivido tudo isso, também me incluiria nessa categoria dos conhecidos que me perguntam “Porque você gosta tanto de Clube da Esquina?”. Mas não podemos, pra nossa sorte eu acho, nos desfazer de nossa história assim, igual se tira uma peça de roupa do corpo. Enfim, por esses fragmentos que transcrevi, e por muitos outros que pertencem ainda só ao âmbito da memória, tenho o Clube dentro do coração, doce como um gosto de fruta comida no pé, daqueles pomares carregados que se escondem tímidos atrás de algum muro ou cerca, típicos de Minas Gerais.


(pra quem quiser ler um relato detalhado que escrevi no meu antigo blog sobre minha conversa com Wagner Tiso, é só clicar aqui.)

2 comentários:

Jersica Paes disse...

Oi,Rafa!
Puxa, já fico ansiosa com o que tem por vir nessa sua dissertação. Também adoro Clube da Esquina!!! Parabéns pelo tema! E parabéns também pelo blog, que há algum tempo eu não visitava (estava sem internet em casa), mas que, além de muito bem escrito (como não poderia deixar de ser), também está com um layout super bacana. Fico feliz por agora ter chance de visitá-lo com mais frequência. Até a próxima!

A. Ridolfi disse...

Rafael,

Assim como você amo os meninos do Clube, em especial o Lô, ele faz parte da minha vida há 30 anos, mas ninguém jamais traduziu com tamanha precisão o que sinto por eles como você, eles não só fazem parte da nossa história, eles são a história de nossas vidas. Parabéns!