segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Um Suposto Estranhamento

Um dos caras que moram comigo, o Heron, tem uns arroubos de estranhamento lingüístico que eu acho muito hilários. Explico: Quando ele se depara com uma palavra que ele considera estranha, incomum talvez, ele exterioriza este sentimento ao se horrorizar com a palavra, questionando a lógica e as circunstâncias igualmente esquisitas sob as quais ela se manifesta. Algo que eu considero extremamente poético, pois é do atrito da ostra que se gera a pérola, ou como bem traduziu Adélia Prado, é deste sentimento de estranhamento que nasce a poesia.

Para exemplificar esta prática inusitada, mostro aqui em primeira mão dois exemplos quase paradoxais! Primeiro: Certo dia, no meio de uma conversa, eu comentei sobre um funcionário da universidade que está em um cargo vitalício. Súbito, meu amigo Heron nem pensou para horrorizar com a palavra vitalício! Algo que eu realmente nunca tinha parado para pensar, sobre como esta palavra é esquisita, excêntrica, caricata, eloqüente, mediovaigel (parafraseando o grande “carro velho”). Ele ainda zuou ao dizer que quando tiver um filho, certamente ele vai se chamar Vitalício.

Outra boa palavra que ele pescou estes dias, está na chamada de uma notícia da sessão “Planeta Bizarro” do portal do G1, que falava de um “suposto pé-grande” que não passou no teste de DNA nos Estados Unidos. Ele cismou com suposto! Eu parei, e fiquei viajando na palavra, que realmente eu nunca tinha dado a devida atenção, como uma música de Bach que sempre toca baixinho no elevador do nosso prédio, se misturando com a cacofonia das buzinas e das vozes nas ruas.

Pensemos sobre estas termologias exóticas: O uso da palavra suposto desmonta toda a seriedade ou a idoneidade (!?) do acusado. Se você diz que um sujeito é um suposto professor, você colocou em xeque toda a competência dele enquanto um profissional da educação, do saber, ou do que quer que seja! É uma palavra desconstrutora, que desmancha uma reputação como se desse um teco em um castelo de cartas.

O que seria o oposto de vitalício, que é uma palavra pretenciosa, arrogante, pois pressupõe algo que irá durar ad infinitum, por tempo indeterminado. O indivíduo vitalício tem pretensões quase divinas, se julga um Highlander sobre os homens, alguém que irá perdurar em sua condição por estar imune às adversidades e às vicissitudes. O homem vitalício desconsidera a condição heiddegeriana do ser que é inerente a qualquer ínfimo mortal, já que não somos alguma coisa, e sim estamos alguma coisa. Eu não sou um balconista ou um açougueiro, eu estou balconista, eu estou açougueiro. E se eu perco o emprego, por exemplo? Deixo de ser vitalício?

Como não pude deixar de comentar com meu amigo Heron, achei que ele foi tremendamente sagaz em suas observações!

4 comentários:

Bella Mendes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bella Mendes disse...

Isabella M. F. disse...
Caro primo amigo de blog,

já tendo passado algumas vezes por suas páginas, de desenhos, textos e músicas... e me deparando com esse texto (Heron deve gostar de "deparar"), lembrei de uma coisa que me "encasqueta" (outra palavra boa!): como musicar certas palavras??? Uma das possibilidades mais inusitadas, que andou me perseguindo há algumas semanas, é uma canção do Wilson Batista, Boca de Siri. Vale a pena conferir o que o sambista foi capaz de fazer com palavras como "sarongue" e "obséquio", e com a frase "continuei me exibindo, me dismilingüindo no passo do canguru"... Ou ainda, gaguejar musicalmente, como o Gago Apaixonado, do Noel? fazer do estranhamento música e poesia... mto bom exercício! e um vício tb!
bjo!

Rafael Senra disse...

E pra vc que gosta muito de cinema, bebella, um cara que promove esta mistura de estranhamento e poesia magistralmente é o David Lynch! Mais no terreno imagético que no verbal, mas ainda assim fantástico!
Só não entendi este comentário acima, que eu nem cheguei a ler, e to vendo que foi "removido pelo autor"!?!

Bella Mendes disse...

hummm... Lynch...
realmente...uma boa pedida!

quanto ao comentário apagado, foi um lapso! rsrs! tinha publicado mas vi que errei o nome do H-E-R-O-N (convenhamos...rs). mas o texto era o mesmo.
bjo