quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Um breve Lapso na Saga dos Titãs da Moralidade

Na foto acima (clique nela para vê-la ampliada), os grandes da MPB dos anos 70. Edu Lobo, Tom Jobim, Caetano Veloso, Paulinho da Viola, Zé Keti, Francis Hime, Luiz Eça, Dori Caymmi, Chico Buarque, Luiz Bonfá, Tuca, Vinicius de Morais, Dircinha Batista, Nelson Mota e Braguinha, entre outros.

Há algum tempo, li uma entrevista com Edu Lobo feita no início dos anos 80, onde ele comentava o papel do músico no Brasil na década anterior, logo após os grandes festivais que os lançaram e consagraram. Naquela época ainda não tão longüínqua, o público refletia nesses novos menestréis o papel de portadores de uma poderosa mensagem, dirigida contra o poder impositivo da ditadura militar. Estes compositores e interprétes originalíssimos eram, então, os ídolos máximos do povo, amados em toda a larga extensão do país que representavam.

Havia uma certa mágoa, talvez saudade, nesse comentário de Edu. Ele, assim como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gil e todos estes baluartes, foram substituídos por personagens opacos e superficiais, alguns reais, e outros fictícios. As pessoas agora refletiam sua carência de figuras especiais não só nos personagens das novelas, que pareciam mais reais que os da realidade, mas em outros palpáveis (mas não menos plásticos), como os cantores da era da lambada. Os grandes ícones da MPB perderam seu posto pelo único motivo de instigarem o pensamento daqueles para quem falavam. Eram perigosos para o poder estabelecido.

Affonso Romano de Sant’Anna, em uma palestra talvez pouco anterior à esta entrevista, quebra um pouco deste mito acerca da influência dos músicos no período. Diz que suas opiniões sobre assuntos externos ao mundo musical só tiveram tanto espaço na mídia porque os pensadores e professores que outrora ocuparam este posto se encontravam perseguidos ou exilados, ou seja, impossibilitados de assumir esta função. Neste vácuo cultural em que o país se encontrava, e que durou toda a década de 70, os compositores foram então convocados a cumprir os papéis sociais que não lhes pertenciam, de intelectuais da sociedade brasileira.

O problema era que esta geração tinha opiniões contundentes e realmente tinha algo a dizer, portanto não fizeram feio ao representar estes anseios. Aliados a isso, tinham seu carisma e seu perfil fora do convencional, com ares de uma atraente rebeldia juvenil que fascinou um contingente de jovens e pessoas que, em outros tempos, não se interessariam pelas idéias que circulavam nestes debates. Por volta de 1979, quando Figueiredo afrouxa as rédeas do regime, estes pensadores que se encontravam ausentes do cenário midiático nacional, sociólogos, teóricos e intelectuais, retomam então estes espaços públicos de debate e opinião, e tentam apagar a marca que fora deixada pelos seus substitutos durante toda a década.

Hoje em dia, os papéis estão muito bem definidos e delimitados. Os artistas que tem espaço nos grandes veículos de comunicação não têm muito a dizer, e empurram para o público uma tonelada sem fim de asneiras e tosqueiras com cara de produção musical. Já os pensadores (que agora se organizam sobre a alcunha horrorosa e tendenciosa de “formadores de opinião”) tem seus próprios espaços, seus próprios programas, com seus próprios públicos. As tribos, portanto, estão muito bem cercadas, e não há muito diálogo entre elas. Enquanto uns se abstém do ato de pensar, outros parecem pensar demais, e agir em menor proporção.

Apesar desse cenário estático e cristalizado da nossa época, existe muita procura de grande parte do público por tudo que diga respeito ao período cultural da década de 70. Uma época onde os titãs da moralidade se deram conta do perigo que havia em se unir o carisma e a capacidade de comunicação dos artistas, e a visão lógica e transcendente dos intelectuais. Esta semente haveria de ser desmembrada no futuro, pois era imensamente perigosa para aqueles que detinham o poder estabelecido. Pessoas poderiam questionar suas condições. Alguns poderiam se rebelar. A sociedade poderia acordar. Isso é perigoso para quem se encontra no topo da pirâmide.

É mais fácil fechar as portas para um Edu Lobo aqui, apagar um John Lennon lá, separar o joio do trigo, artistas prum lado, pensadores pro outro, e tocar o barco do jeito que dá... Eles mandando, e nós obedecendo. Assim, o circo continua.

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