segunda-feira, 26 de maio de 2008

Resenha – Stardust – O Mistério da Estrela




Logo que “Stardust” chegou aos cinemas brasileiros, ele já parecia condenado a ser mal-interpretado pelas pessoas. Ao bater o olho no cartaz do filme, o público desavisado rapidamente o enquadrou na atual tendência de filmes de fantasia rasos e oportunistas (estilo Eragon, etc.) que anda assolando o mercado cinematográfico. Além do mais, o alvo desses filmes parece ser sempre elas, as crianças, que vão espernear na cabeça dos pais para comprar um bilhete do cinema ou alugar o filme. O fato do filme ter sido exibido quase que completamente com cópias dubladas também ajudou a fomentar estes preconceitos.


Na verdade, Stardust é baseado num livro do premiado autor de quadrinhos e Best-sellers Neil Gaiman, e ilustrado magistralmente por Charles Vess. E se trata de um conto de fadas para adultos, o que não impede os mais jovens de apreciá-lo, porém certamente o senso de humor e a profundidade da trama vai ser assimilada mesmo é pelos mais velhos.

Neil disse que teve o primeiro lampejo das idéias da trama caminhando à passeio pela Irlanda, ao lado da esposa. Havia um enorme muro ao lado deles, e uma fenda considerável interrompia o feixe de pedras, emoldurando uma bela paisagem ao fundo. O autor comentou com sua companheira como seria interessante se houvesse um muro que separasse o nosso mundo real de um mundo de fantasia, onde todos os sonhos humanos se tornassem realidade. Alguns meses depois, conversando com amigos em um outro país que visitava, viu uma estrela cadente caindo, e o espetáculo lhe pareceu mais impressionante do que todos os meteoritos que ele já observou cair nos céus da Inglaterra, sua terra natal. Tamaha a nitidez da visão, Neil pensou que poderia caminhar em direção ao local que o rochedo dos céus havia aterrissado, e pegá-lo com as próprias mãos. Nesse momento, ao traçar um elo entre a intuição que teve na Irlanda e esta, a história se construiu naturalmente em sua cabeça.


O enredo encantador da obra parte de pressupostos simples: Um muro separa a pequena cidade de Muralha de se encontrar com um mundo mágico e desconhecido dos humanos, chamado Stormhold. Um garoto tímido chamado Tristan Thorn (Charlie Cox), morador de Muralha, descobre que é filho de um pai da terra e uma mãe de Stormhold, logo depois que faz uma promessa à menina que ama: atravessar o muro e trazer a ela uma estrela cadente que viram cair. Com a ajuda do pai, Tristan atravessa o quase intransponível muro e encontra a estrela. A surpresa dele é que neste mundo encantado, a estrela se torna uma bela mulher (Claire Danes).


A partir daí, o casal encontrará inimigos que venderiam a alma para conseguir agarrar a mulher/estrela, como a bruxa Lamia (Michelle Pfeiffer), que conseguirá a imortalidade dela e das irmãs ao comer seu coração, ou o filho do falecido rei de Stormhold, Primus (Jason Flemyng; o rei, por sinal, é Peter O´Toole, em uma rápida aparição) que precisa dela para legitimar sua descendência no trono. Mas também existem aliados no percurso, como o Capitão Shakespeare (um afeminado e cômico Robert De Niro), ou a mãe de Tristan (Kate Magowan).


Em uma rápida análise junguiana da obra, é possível comparar Tristan como um arquétipo do nerd, tímido, sonhador e com pouca desenvoltura social. Para se tornar um homem pleno, ele precisa efetuar uma jornada heróica nos moldes da Odisséia, adentrar seu inconsciente (Stormhold, sendo o muro o limite entre a realidade e o sonho) e encontrar sua Anima, a porção feminina reprimida do homem, representada pela reluzente mulher/estrela. Os arquétipos amadurecidos do inconsciente que o ajudam são o do feminino pleno (a mãe) que vive no elemento terra e representa as raízes, e o do masculino pleno, que vive no ar e que empreende sua missão singrando os céus (o pirata, que estaria mais adequado à esta análise na versão do livro). Porém, forças opostas querem prejudicar seu crescimento, representadas pelas porções imaturas do masculino (o bruto e ardiloso Primus, e seus irmãos) ou do feminino (a bruxa Lamia, e suas irmãs).


O filme promove um bom resultado ao mesclar dualidades, não só no óbvio pretexto de realidade/fantasia, mas na dinâmica que mistura elementos de humor e de terror; e de cenários reais ao lado de efeitos especiais, na parte técnica. E encanta justamente por aliar qualidade à uma certa despretensão de ser “o” grande filme de fantasia, mesmo sendo carregado de méritos, como o da construção hábil e profunda de todos os personagens, tanto protagonistas quanto coadjuvantes. A produção, dirigida por Matthew Vaughn, mostrou que não deve nada a grandiloqüência de Senhor dos Anéis, ou ao rebuscamento de Star Wars, e nem ao caráter divertido de Harry Potter. Seu brilho tem mais a ver com a rapidez da trajetória das estrelas cadentes, que passam fugazes aos olhos cotidianos, mas deixam uma sensação de encanto reluzindo em nosso interior.

Nome: Stardust – O Mistério da Estrela (Stardust, EUA/ Inglaterra, 2007)
Direção: Matthew Vaughn
Tempo: 127 min.
Elenco:
Charlie Cox (Tristan Thorn)
Claire Danes (Yvaine)
Robert De Niro (Capitão Shakespeare)
Sienna Miller (Victoria)
Michelle Pfeiffer (Lamia)
Jason Flemyng (Primus)
Ian McKellen (Narrador)
Peter O'Toole (Rei de Stormhold)
Ricky Gervais (Ferdy)
Henry Cavill (Humphrey)
Rupert Everett (Secondus)
Mark Strong (Septimus)
Nathaniel Parker (Dunstan Thorne)
Ben Barnes (Dunstan Thorne - jovem)
Sarah Alexander (Empusa)
Kate Magowan (Una)
Adam Buxton (Sextmus)
Melanie Hill (Ditchwater Sal)
Jake Curran (Bernard)
Dexter Fletcher (Pirata)

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