domingo, 18 de maio de 2008

Resenha - Elsa e Fred (2005)











Em 2005, um filme co-produzido por Argentina e Espanha, foi sucesso de bilheteria em vários países do mundo, inclusive no Brasil. Como se já não parecesse improvável que uma produção latina tenha gerado tanta comoção, imagine quando ficamos sabendo que os dois protagonistas são os octagenários atores Manuel Alexandre e China Zorrilla. A história? Um casal de idosos que, já no limiar de suas vidas, descobrem o amor. Simples assim. E o que soava como pieguice, emocionou milhares de espectadores, ao corajosamente desafiar as expectativas de mercado e dos padrões hollywoodianos.

Apesar de serem velhinhos, a verossimilhança dos personagens nos toca, ao remeter à parentes queridos, avós, tios, e por aí vai. Mas o elemento que faz a diferença está especificamente na personagem Elsa, que não pretende ser uma idosa convencional, e muito menos politicamente correta. Ela sabe que se aproxima o ajuste de contas com o tempo, e não só por isso, mas sua pauta inflexível é sempre a mesma: viver intensamente, e quebrar as regras e tabus.

Já Fred se enquadra mais no que nós conhecemos e entendemos como sendo um comportamento típico da terceira idade. É calmo, respeitoso, mas também teimoso e nostálgico. Chora as mágoas da falecida esposa, e sente a sua falta todo o tempo. Em meio ao seu limbo existencial, Elsa surge para lhe mostrar que a salvação se encontra em rejuvenecer o espírito, por meio da alegria e sintonia com a vida.

A obra não só rompe com o padrão de associar bilheteria a tipos jovens, brancos, fortes e americanos, mas também trata de uma temática muito esclarecedora: A questão de se desfrutar os momentos, e não se pautar por planos e sonhos distantes. Não que haja, obviamente, problema em se cultivar uma poupança, ou em pensar no futuro. O dilema começa quando tudo o que se faz gira somente em torno disso.

A direção do filme é correta, simples, não há ali grandes arroubos de técnica ou virtuosismo por meio de Marcos Carnevale. Ele sabe que tem em mãos grandes atores, um excelente roteiro, e sabiamente deixa o brilho da obra vir exclusivamente desses personagens. São tipos inesquecíveis, que proporcionam olhares diversos sobre a dinâmica de sua relação. Tanto podemos vê-los como amados, mas também como amantes (pois sim, é possível haver erotismo entre idosos), e até como mestre e discípulo, dadas as peculiares “lições de vida” de Elsa. Nesse ponto, é justo pensar que nos projetamos em Fred, e também nos tornamos todos emocionados discípulos da carismática velhinha.

Para finalizar a resenha, cito um conterrâneo do diretor desse simpático filme, que exprimiu em seus poemas todo o sentimento que “Elsa e Fred” conseguiu traduzir por meio do espaço da ficção. Estou falando de Jorge Luís Borges, e especialmente no poema “Instantes”, que muito provavelmente deve ser incluído como uma possível influência para Marcos Carnevale.

INSTANTES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros.

Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.

Seria mais tolo ainda do que tenho sido, na verdade bem poucas coisas levaria a sério.

Seria menos higiênico.

Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios.

Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.

Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da vida, claro que tive momentos de alegria.

Mas se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.

Porque, se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos, não percas o agora.

Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas. Se voltasse a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono.

Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.

Mas já viram, tenho oitenta e cinco anos e sei que estou morrendo.

(Jorge Luís Borges)

Filme: Elsa e Fred (Argentina/ Espanha, 2005)
Diretor: Marcos Carnevale
Elenco: China Zorrilla, Manuel Alexandre.


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