domingo, 4 de maio de 2008

Resenha – Contos da Lua Vaga


TOKYO, BH, E OS CONTOS DA LUA VAGA

Manhã de domingo, ressaca de feriado, clima frio, nenhum compromisso em vista... Não tive muita escolha (e nem queria): Sabia que deveria assistir um bom filme antes de preparar o almoço. De uma lista de uns cinco filmes, decidi assistir um que já está na minha lista de espera faz um tempo, chamado “Contos da Lua Vaga”, japonês, da década de 50.


Porque não adianta, por mais que eu me proponha a apreciar e entender cinemas de vários locais e épocas, eu sinto um bloqueio em alguns momentos. Eu acho que é natural em nossa época de entretenimento raso e bombástico, que não estejamos tão abertos para obras densas quanto estiveram aqueles que vem de algumas gerações para trás. É a conseqüência do acesso a informação facilitado: São tantas coisas para ver, ouvir, ler, sentir, que optamos pelas mais rápidas, por aquelas que não exigem tanto compromisso. Não que isso seja negativo, mas como diria Hegel, é o Zeitgeist, é o nosso tempo, nossas necessidades.


O que fez a diferença para mim nesse confortante domingo ao querer ver uma antiqüíssima película japonesa, foram os comentários de um sujeito que admiro muito: Márcio Borges, letrista do movimento mineiro do Clube da Esquina, co-autor de músicas que fazem parte da minha trilha sonora pessoal, como “Paisagem da Janela”, “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, pra citar as mais conhecidas. Ele é apaixonado por cinema, que afirma ser “a arte por excelência do século XX. Começou com o século e também morreu com o fim do século XX. Considero o cinema hoje, século XXI, já quase um defunto. (...) Pelo menos o cinema glorioso, heróico, que conheci e aprendi a amar(108)”.


Borges fez várias músicas com títulos baseados em filmes, e uma delas é a linda “Contos da Lua Vaga”. Para ele, esses batismos funcionam como “ (...) ‘private jokes’, a piada interna, uma piada para conhecedores. (pg.159)” Talvez um pequeno agrado para os apreciadores de um bom cinema. Mas enfim... motivado por essa música primorosa, enfim, lá fui eu enfrentar meus preconceitos (apesar de já ter visto muitos filmes antigos japoneses nos últimos tempos, tenho que confessar que o meu bloqueio ainda resiste bravamente)... mas com cerca de dez minutos de filme, devo dizer que já estava devidamente absorvido e encantado.


Foi um filme que me emocionou, é uma pequena obra-prima, que realmente sintoniza com o espírito da música que eu tanto gosto. Poético, belo, espontâneo, muito diferente do parco cinema atual, e seus efeitos e luzes. Uma história universal, muito bem ambientada, bons diálogos, trilha excelente, narrativa fluida... Eu até acho melhor me abster de pincelar estas qualidades, porque francamente, não encontrei nada no filme que me fizesse querer criticá-lo.


Essa obra certamente ficará incluída pra mim, entre alguns filmes que nos aproximam de um estado de graça. Algo próximo de um cinema artístico, belo, que apesar de parecer meio clichê dizer isso(mas não tenho medo de repetir, até porque essa idéia anda meio ausente da sétima arte hoje em dia) une técnica e sentimento. Faz parte de uma classe de filmes que nos revigoram, nos fazem ter mais fé em nossa essência humana, pois não propagam idéias periféricas e superficiais, mas sim o interno, a beleza da finitude, e o perigo das ilusões (os véus de Maya).


Eu sabia que, sendo inspiração de talentosos músicos como os do Clube da Esquina, este seria definitivamente um grande filme. Pode-se traçar paralelos entre essa obra, e outras igualmente belas que tratam da jornada do homem como “Sidarta”, de Hermann Hesse, ou a “Odisséia”, de Homero. Pois acho que nunca nos cansamos de ouvir as mesmas velhas e boas histórias, quando são bem contadas. São como doces melodias, canções perenes, que sempre vão nos acrescentar algo, sempre vão preencher e pousar suavemente em nosso íntimo, como se fossem músicas de outras esferas.


Contos da Lua Vaga (Ugetsu Monogatari/ Tales of a Pale and Mysterious Moon After the Rain – Japão, 1953)
94 min., p&b
Direção: Kenji Mizoguchi
Elenco: Machiko Kyô, Mitsuko Mito, Masayuki Mori, Kinuyo Tanaka, Eitarô Ozawa, Ikio Sawamura, Kikue Môri, Ryosuke Kagawa, Eigoro Onoe, Saburo Date, Sakae Ozawa


Fontes:
MATTOS, Paulo César Vilara de. Palavras Musicais: letras, processo de criação, visão de mundo de 4 compositores brasileiros. Belo Horizonte: s.ed., 2006. (comentários de Márcio Borges).

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