sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Resenha de Filme: Sexo Mentiras e Videotape


O Intimismo da era do Videotape

Muito antes de grandiosas produções da nossa era digital, Steve Soderbergh se lançaria com um quieto e profundo filme, calcado em um grande texto e excelentes personagens.

Muita gente que assistiu, ano passado, ao filme “Treze Homens e um Novo Segredo”, e que provavelmente vem acompanhando essa trilogia tremendamente hollywoodiana, nem suspeita que o diretor Steven Soderbergh fez sua estréia no mundo do cinema com uma obra bem mais modesta e intimista. “Sexo, Mentiras e Videotape” é um grande filme, que mesmo sem conter ingredientes bombásticos como violência, efeitos especiais, e sexo (sim, apesar do nome, não há no filme uma única cena de sexo explícito), fez sua fama exclusivamente pela qualidade.


O filme poderia facilmente ser adaptado para o teatro, bem aos moldes de “Closer” (que, aliás, veio do teatro). Os cenários e as locações são secundários, quase não há filmagens externas. O que faz a força do filme são, basicamente, dois elementos: O excelente texto (também de Soderbergh) e os personagens, muito bem construídos. Mais uma vez, comparando com “Closer” (que com certeza bebeu na fonte de “Sex...”) a trama circunda quatro personagens que tem suas vidas entrelaçadas.


Entretanto, em “Sex...”, a balança é um pouco mais desigual. Enquanto que alguns personagens despertam no espectador asco e antipatia (como o advogado John Melaney e sua amante/cunhada Cynthia), outros simplesmente roubam a cena (como a esposa Ann Bishop e o fascinante Graham Dalton). O que não desmerece nenhuma peça desse arco de personagens; pelo contrário, se algum deles possui menos carisma, é por motivos muito bem definidos e estruturados.


O personagem de James Spader, Graham, uma espécie de desconstrução do galã rebelde estilo James Dean, adaptado para os anos 80 (com mullet e tudo), é o elemento que abala a rotina e causa o atrito necessário para o filme. Ele surge do nada, depois de anos sumido, e pede ao antigo amigo John para abrigá-lo até ele conseguir uma casa. De cara, já se nota a eletrizante tensão que há entre o “yuppie” John e o “outsider” Graham, que outrora foram grandes amigos, mas agora sentem o estranhamento óbvio da diferença de estilos de vida.


Graham se mostra tão atípico e excêntrico, que consegue cativar não só a esposa de John, a frígida Ann, mas também a irmã desta (e amante secreta de John), Cynthia. O ar de mistério que o circunda, sem contar sua simpatia levemente amoral, deslumbra as irmãs, que não tardam a decifrar suas motivações, com a ajuda do próprio Graham. Quando a trama se abre para os segredos desse obscuro personagem, aí o filme mostra para que veio, e muito longe da previsibilidade, conquista de vez o espectador. Enfim, para poupar o leitor do desprazer de falar demais (caso ele ainda não tenha visto o filme), interrompo aqui essa mini-sinopse, na esperança de que ele tenha o mesmo deslumbramento que eu tive ao assistir essa película.


Bem antes de fazer bons filmes bombásticos e campeões de bilheteria, como a já citada trilogia dos “homens que sempre tem um segredo”, além de outros como “Traffic” (dá até pra fazer uma relação: Se “Sex...” antecipou a fórmula que daria em “Closer”, certamente “Traffic” é uma grande influência de outro excelente filme, “Babel”. Apesar de que Soderbergh deve, por sua vez, ter bebido na fonte de Robert Altman em seu “Short Cuts”, mas isso é outra história), Soderbergh já mostrava seu talento nessa obra bem pessoal e subjetiva. Certamente influenciado por cineastas como Ingmar Bergman, ele conseguiu nesse filme representar o perfil da jovem e ascendente classe média cética americana do fim dos anos 80. O personagem de Peter Gallagher, o advogado John, parece ter saído de uma comédia, de tão caricato que é. Contudo o que ele nos provoca não é humor, mas sim a sensação de que aquele tipo egoísta e materialista nos é familiar. Já seu contraponto, Graham, é realmente um tipo raro, idealizado, um antídoto utópico para a sombra do comportamento neo-liberal, que hoje em dia então está ainda mais presente no nosso cotidiano, é a tal “hipocrisia engravatada”.


É um filme pequeno, mas profundo. Soderbergh mostra que além da direção competente e do texto digno de um veterano, ele acerta em outro ponto: seu poder de síntese. É uma obra que diz muito em pouco tempo, e nos deixa com uma sensação de que o filme poderia ter durado mais umas três horas, de tão bom. Pena que o diretor se popularizou pelos caminhos aclamados do mainstream e os aplausos das massas, adaptando seu talento para a produção de grandes blockbusters. Poucos conhecem a outra parte desconhecida se sua carreira, que talvez tenha tido origem nesse filme que une o melhor dos dois lados de Steve Soderbergh (acessível de um lado, e experimental/poético do outro), uma excelente obra que fechou com chave de ouro os purpurinados anos 80.

Título: Sexo, Mentiras e Videotape (Sex, Lies and Videotape, EUA, 1989, 103 minutos)
Direção e Roteiro: Steven Soderbergh
Elenco: James Spader, Andie MacDowell, Peter Gallagher, Laura San Giacomo, Ron Vawter, Steven Brill, Alexandra Root, Earl T. Taylor, David Foil

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